8 de abril de 2014
Relato da Renata Velasques
Olá Sandra!
Há meses quero te agradecer pelo seu tempo e palavras através do seu
blog, mas lá não me aparece a opção de deixar mensagem. Você bloqueou
novamente? Bom, eu só posso dizer que teu blog me salvou. Hoje sou cozinheira
profissional e há muitos anos tinha vontade de conhecer a culinária ayurvédica
na própria Índia. No ano passado me surgiu a oportunidade e se eu tivesse lido
seu blog antes, não teria ido agora, não estava preparada para a verdadeira
Índia. Pra começar, aceitei a proposta de um ex-amigo (sim, em menos de um mês
lá eu o cortei da minha vida) para irmos juntos já que eu estava morrendo de
medo de chegar lá sozinha. Mas se eu soubesse... Um brasileiro rico que se diz
espiritualizado e queria ir a uma viagem em busca de si mesmo na Índia, seu eu
tivesse lido teu blog antes já desconfiaria que era mais um pirado no mundo.
Tive a sorte (aliás, tive várias sortes por lá) de nos primeiros dias
conhecer um amigo (indiano) de um amigo meu que já nos primeiros minutos de
conversa disse para o pirado que estava comigo: "Eu ainda não
entendo da onde os ocidentais acham que meu país é espiritualizado. Olhe ao seu
redor. Diga-me onde vê. Espiritualizado só p/ aqueles hippies fumadores de
maconha que vivem pelas bandas de Rishikeshi". Naquele dia passei a me
assustar de verdade, pois a partir daí o pirado que estava comigo passou a
falar/usar tudo o que eu dizia p/ me convencer de algo e quando vi, aquele cara
(que eu achava que era gay enrustido que inventou esse papo de não querer
relacionamentos para se espiritualizar para não assumir a homossexualidade)
passou a me fazer pesadas investidas "espirituais", tentando me
comprar tanto com dinheiro quanto com papinhos espiritualistas de que eu tinha
de ficar ao lado dele e blá blá. Ali naquele dia percebi que estava ferrada e
passei a rezar até p/ aquele monte de deuses que não creio p/ me safar daquela.
Me vi sozinha, despreparada naquele país que tu já conhece bem. Pânico! Mas
logo chegariamos no meu destino, o hospital ayurvedico no sul da India p/
estudos e coloquei meu foco ali, já que eu cheguei até ali, não era por esse
meu defeito de crer nas pessoas erradas que eu ia voltar mais cedo p/ casa e
desistir de tudo.
Ao chegar no hospital, me senti mais segura. Lá me disseram que o curso
só ia iniciar na 2º quinzena de dezembro (era 2 de novembro quando lá cheguei)
e me ofereceram o panchakarma, sem me explicar a profundidade que é fazer isso.
Sem saber o que fazer por 1 mês e meio (entendi o "você mesmo combinar
TUDO com antecedência", pois cometi o erro de deixar na mão do pirado
fazer o contato e ele achava natural a tal médica "não saber" o dia
exato nem uma média de preço, e que carinhosamente insistia em fazer um
tratamento), eu aceitei porque acreditava naquele hospital só porque conheci um
dos milhares de médicos (outro médico que eu não consegui falar antes) que lá
existem, aqui no Brasil. Posso dizer que esse tratamento é maravilhoso, desde
que você vá preparada p/ isso e não esteja em pleno conflito psicológico
consigo mesmo! A começar pelo pirado que ali também estava, vestindo aquela
máscara de bonzinho falsificada tentando me convencer que eu era o karma dele.
(Ali entendi seu post sobre as artimanhas dos monges, gurus - não sei a palavra
correta que se encaixa aqui - para comer as estrangeiras trouxas). Assim
que eu pisei no hospital, eu só consegui diminuir as investidas porque parei
literalmente de falar com ele. Mas ele mandava e-mails, recados, livros até que
um dia ele envolveu a médica (que só quando eu fui embora, descobri que era a
minha "responsável"). Aquilo foi o limite p/ mim, pois afinal, não
fazia ideia do que ele disse a ela e notei que a verdade é que não foi. O
pânico voltou, pois aquela mulher mudou o comportamento comigo (e o que me
envolvia), me prejudicando de certa forma.
Como ficamos tão fracos (eu fiz os 42 dias hospedada no hospital) eu não
saia, não fazia nada. Me restava a internet (mesmo não sendo recomendado) que
quando funcionava, encontrei seu blog e em 1 semana, já o tinha lido todo!
Eureka! O que te contei e muito do que me passou até ali passou a me fazer
sentido. E o que me salvou do desespero foram os amigos (estrangeiros) que fiz
ali que estavam na mesma situação que eu e o médico que conheci no Brasil, que
me foi um verdadeiro anjo naqueles 2 meses. Realmente, a Índia é intensa! Eu
revirava teu blog querendo saber sobre o comportamento das mulheres indianas
(tu até comentou num post que tu as defendia do comportamentos masculino
indiano, mas que elas tinham um caráter bem difícil), eu queria saber! Queria
saber como lidar c/ aquela médica! Acho que eu estava tão frágil que no
momento caia nos encantos dela, mas aos poucos fui juntando as peças e só no
final de minha estadia passei a perceber... e passei a ignorá-la. Mas pelo meu
inglês, não tive a coragem de lhe dar um esporro, afinal, ela era a diretora e
reverenciada por todos ali (descobri como eles são ótimos puxa-sacos) e aquele
comportamento era inadmissível para uma profissional no cargo dela. Era
interessante - p/ não dizer repugnante - a diferença de comportamento só pelo
dinheiro e doações que as pessoas deixavam ali. Vi uma vida completamente
diferente de tudo o que já vi, um machismo sem lógica, uma reverência aos
estrangeiros brancos (a frase: branco é um banco é a máxima por lá), um
fanatismo religioso que beira a irracionalidade no dia a dia... mas que existem
sim exceções. Creio que só convivendo você capta as amáveis exceções, pois você
nunca sabe se aquele bom tratamento foi esperando um trocado no final, o que
ocorreu 90% das vezes. A mais divertida foi num dos aeroportos se aproximar um
homem da cia. de táxis pré pagos me pedindo o destino final. Mostrei e ele me
apontou onde e qual taxi pegar. Agradeci e segui e quando olhei p/ o lado, ele
chegou e começou a empurrar meu carrinho com a mala. "Senhor, eu sei
manusear o carrinho! Obrigada e pode ir", eu disse. Ele me ignorou e foi
empurrando COMIGO até chegar no táxi. Eu carreguei a mala p/ o porta-mala e ele
só empurrou. E enquanto o taxi não saiu ele não parou de me pedir dinheiro pelo
"serviço". Detalhe: o taxista já a meia hora do caminho, não sabia
chegar no endereço. Uma hora de atraso! Ainda bem que usei o pré-pago, o
recomendado a todos os seres que vão p/ lá que não tenham uma carona.
Enfim, sai viva, sã e com uma experiência p/ toda vida. Tive de desistir
dos 6 meses de viagem de estudos porque quase deixei minhas calças naquele
hospital (aprendi ali a incompreensível ganancia dos indianos). Mas.... nem
tudo é ruim, lia seu blog todos os dias e fui preparada de punhos e dentes para
meu ultimo mês... que foi perfeito! Tive a sorte de conhecer o 1 em 1 milhão de
indianos (aqueles que realmente se preocupam contigo e te ajudam, mas não de
graça claro). Sabia como andar sozinha (de dia) pelas ruas (ainda bem que Poona
é um pouco mais tranquilo), sabia negociar, com quem conversar e com quem não.
Descobri que "responder" com cara de ódio, fazia qualquer
"investidor" pedir desculpas e sair de perto. Foquei-me nos
estudos e não fiz nada mais além disso, o que me ajudou bastante. Não fiz
turismo, nem nada, pois estava sozinha (é insuportável a sensação de E.T. e
fora as investidas que muitos homens tentavam me fazer enquanto andava sozinha)
e já c/ pouco dinheiro. Mas valeu o susto, o psicologicamente abalado e cada
centavo investido no ultimo curso. Senti a intensidade da Índia na pele e te
juro que não sei como não enlouqueci e nem corri p/ casa antes. Foram 3 meses
de pura experiência vital e te agradeço por ter salvo minha viagem no final,
mesmo você não sabendo.
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