16 de janeiro de 2013

Depoimento do Marcelo


Marcelo visitando o Taj Mahal

Olá,

Meu nome é Marcelo, tenho 26 anos e, cerca de quatro anos atrás, comecei a trabalhar em uma multinacional aonde eu teria que viajar à Índia por 3 semanas para treinamento. Confesso que meu conhecimento sobre a Índia na época era o mesmo que um indígena tem sobre naves espaciais, logo, cometi o erro de viajar sem me aprofundar muito sobre o país, afinal, que mal poderia me acontecer em meras 3 semanas?

Peguei um vôo da Air France Rio-Paris-Delhi e o treinamento seria em Gurgaon. A primeira parte do vôo foi tranquila, mas na segunda parte o avião já estava cheio de indianos, e eu tive meu primeiro contato com a inabilidade desse povo em formar filas. Ao invés de esperar as pessoas guardarem suas malas no bagageiro, os indianos se empurravam e discutiam entre si. Achei normal, talvez fossem apenas pessoas estressadas pela viagem.

O voo foi tranquilo até chegar próximo ao aeroporto de Delhi, que quando eu fui, só possuía uma pista. Diante disso, ficamos dando voltar no ar cerca de 2 horas até conseguir pousar, por causa do fluxo.


2 horas rodando antes de poder pousar.

Ao desembarcar, me assustei com a quantidade de pessoas na fila de imigração e para variar não havia uma fila decente formada. Na minha vez, um simpático indiano que me atendeu balançava a cabeça de forma engraçada toda vez que era questionado. Depois fiquei sabendo que aquilo era uma espécie de "sim".

Me encontrei com um rapaz da empresa, que me aguardava com uma placa escrito "Marcilo" (meu nome é Marcelo), e não tive dúvidas que era minha carona. Em todo tempo que fique na Índia fui chamado de Marcilo.

O calor era insuportável no aeroporto e chovia torrencialmente lá fora. Assim que troquei algumas rúpias, aconteceu um apagão no aeroporto. As pessoas andavam por todos os lados se esbarrando, e eu apenas tentava guardar meu dinheiro. Após 2-3 minutos a luz voltou e então pudemos achar o caminho para o carro. Na saída do aeroporto me assustei com a quantidade de mendigos pedindo dinheiro. Um deles agarrou minha perna e eu nervoso perguntei ao amigo indiano o que fazer e ele disse: "chute-o". Ao invés disso ofereci umas rúpias para o mendigo, que deu um tapa na minha mão e disse que queria dólares.  

Mendiga ja vindo com a mao esticada para pedir dolares

No estacionamento havia outro indiano nos esperando em um carro minúsculo, e vocês podem imaginar como foi difícil guardar meus 190 cm lá dentro. O indiano dirigia de forma aloprada, à noite, sobre uma forte chuva, e buzinando até para as poças d'água. Em um cruzamento logo à frente eu só vi 2 faróis enormes na minha janela. Pensei: "morri". Felizmente, não foi dessa vez. Levamos cerca de uma hora para percorrer a fantástica highway NH-8 e chegar a Gurgaon.

Me hospedei no excelente Hotel Park Premier, e logo no dia seguinte fui ao Ambiance Mall, um shopping cujo corredor tem 1 km de extensão. Após circular meio deslumbrado com os locais, parei para comer o pavoroso Mc Veggie (sanduba vegetariano do Mac Donaldas). Algo que achei interessante é o fato de haver um segurança na porta de cada loja, e em todas as minhas sacolas de compras eram revistadas e guardadas em um armário (devido aos ataques terroristas). 

Não fui tão assediado por ser meio "indian like" como meus amigos da empresa disseram, mas por causa da minha altura e porte físico, todos me olhavam e alguns até tiravam foto. Inclusive uma família me abordou pedindo para tirar uma foto de seus filhos pequenos em meu ombro (Efeito E.T.). Achei engraçado e curioso.

Mais tarde no hotel, fui convidado pelo Chef do restaurante a fazer uma degustação dos pratos típicos do local. No terceiro prato eu não sentia mais minha boca, era impossível lidar com tanta pimenta, mesmo tomando tanta água. Mesmo assim encarei a degustação até o final, e fiquei apaixonado pela combinação de sabores da culinária indiana. Por sinal, tudo tem muita pimenta MESMO, mas é incomparávelmente saboroso, e depois que você se acostuma com a queimação, sem dúvida fica apaixonado.

O indiano da empresa me buscou no hotel todos os dias para ir ao treinamento. Ele era muito amigável e gostava de falar sobre sua família pena que entender o inglês dele nos primeiros dias era uma tarefa quase impossível. A Empresa ficava situada em um local com muitos prédios comerciais lindos, mas inexplicávelmente as ruas eram de terra batida, o que inclusive fez nosso carro atolar em um dia de chuva.

Na minha chegada à empresa, reuniram-se cerca de 40 indianos em minha volta e ficaram me observando e fazendo perguntas. Era engraçado me sentir um gigante em meio a tanta gente de pequena estatura. As indianas são particularmente bonitas, sendo que uma delas me chamou a atenção.

Observei no escritório que as costas de todas as cadeiras estavam sujas, com manchas amareladas, e descobri que no banheiro os indianos não tinham paciência pra secar a mão com ar quente. Então, secavam as mãos nas costas das cadeiras conforme íam passando por elas. As cadeiras mais próximas do banheiro eram as mais nojentas.

Outra coisa que me impressionou era que os indianos homens do escritório costumavam usar as mesmas roupas a semana inteira, ou seja, aqueles que eram inodoros na segunda-feira terminavam a semana deixando mendigos com inveja. E olha que o perfume na India é barato, tanto que comprei vários.
Havia um rapaz que me servia café e biscoito todos os dias no escritório durante o treinamento, e eu sempre agradecia quando ele fazia isso. Até que certo dia, o gerente da divisão estava na sala e me viu agradecendo ao servente pelo café. Imediatamente o tal gerente começou a falar bem alto e de forma agressiva com o rapaz. Depois desse dia, nunca mais ganhei café e biscoitos. Perguntei ao meu colega indiano sobre esse caso, e ele disse que se tratava de um intocável (dalit) e que eu não deveria falar com ele. Achei aquilo desprezível, mas não fazia sentido discutir.
Alguns dias depois que cheguei fui acometido pela famosa diarréia. Enquanto no hotel o vaso sanitário era tradicional com papel higiênico, na empresa eles usavam o tal vaso de chão, aonde você precisa ficar de cócoras e, para higienização, havia um balde e uma torneira. Era bem complexo. Foi aí que fiquei sabendo sobre a "regra da mão esquerda" (mao esquerda para limpar a bunda e mao direita para comer) e daí em diante me mantive bem longe da mão esquerda de qualquer indiano.
O intervalo do café era bem divertido, pois eu era literalmente o centro das atenções. Todos me olhavam de cima a baixo com espanto e curiosidade (Efeito E.T.). E isso não mudou durante as 3 semanas que estive lá.

Outra situação engraçada foi quando almocei no refeitório da empresa junto com dois colegas indianos e sentei-me na frente de um desconhecido. Enquanto almoçávamos, o desconhecido passou um pedaço do seu pão no feijão que estava no meu prato. Fiquei abismado. Meus amigos indianos riram muito e disseram que era normal, e que eu tinha que fazer a mesma coisa. Achei estranho, mas depois de 3 semanas e até hoje continuo com o hábito de roubar comida do prato alheio.
Outra coisa que me impressionou foi a velocidade em que as obras ficam prontas na Índia. Em 3 semanas vi um prédio sair do esqueleto e ficar semi-envidraçado e também vi a ponte do metrô de Delhi ganhas uns bons km, coisa que no Brasil levaria meses. Assisti também a um interessane filme de Bollywood no cinema, chamado "Drona" que achei bem divertido apesar de não entender nada.
Para ir ao Taj Mahal, fui contra todas as recomendações e aluguei um carro para dirigir até Agra. Foi a pior idéia da minha vida. As estradas são péssimas e com excesso de buracos, pessoas, ciclistas, vacas... além disso errei o caminho centenas de vezes, mesmo com GPS. Antes do destino principal, passei pelo Agra Fort, que merece uma visita dada à sua beleza. E o Taj Mahal em si é fenomenal. Duro é aturar os pedintes e os vendedores ambulantes nesses locais. Algo divertido foi que enquanto eu caminhava no Taj Mahal, uma vaca circulava tranquilamente em meio as pessoas. Quando passei, ela veio andando junto comigo, e em minha direção. Quando eu parei, ela se aproximou de mim e ficou me olhando. O rapaz indiano que estava comigo disse que eu era um homem de sorte. Fico imaginando o que eu seria se a vaca tivesse me lambido...

Carroca puxada por camelo

Nesse dia houve um atentado com oito bombas em Delhi, e eu recebi milhares de ligações do Brasil além de ter que lidar com todas modificãções visando segurança, que foram implementados na Índia. Meu carro foi revistado várias vezes, e inclusive no hotel e na empresa passei por detectores de metal.

Era uma tarde de sábado e eu entediado depois de tanto assistir canais indianos na TV, pensei em sair e dar umas voltas, mas a porta de acesso do hotel estava fechada. Perguntei à recepcionista sobre o motivo e ela disse que porcos selvagens estavam na região do hotel. Eles eram enormes e peludos, pareciam javalis. Mais tarde resolvi ir ao shopping, mas o táxi do hotel não me esperou como combinado, então na volta peguei um tuk-tuk. Falei o trajeto e observei o caminho pelo GPS do celular, foi quando percebi que o motorista do tuk-tuk "errou" o caminho. Na primeira oportunidade eu desci do veículo e me afastei até achar outro táxi, fazendo com que o motorista viesse atrás de mim gritando e gesticulando por alguns metros. Então finalmente achei um táxi e ele me levou para o hotel. Os amigos da empresa me disseram depois para evitar pegar tuk-tuks sozinho, ainda mais à noite.

Quando eu estava andando aos arredores do Deli Haat pós-atentado, notei uma mulher corpulenta de branco vindo em minha direção. Ela agarrou meu braço e tentou enfiar uma agulha, eu imediatamente me afastei e, quando olhei para trás, ela já tinha sumido. Meu colega indiano viu todo o ocorrido e me disse que é comum eles doparem os turistas dessa forma para roubar seus pertences.

Sobre a menina que chamou minha atenção na empresa, chegamos a expressar interesse mútuo e tive a oportunidade de conhecer seus pais. A família foi bem receptiva e hospitaleira. Mas a todo momento reforçavam que suas filhas deviam se casar com hindus. Achei engraçado quando perguntaram meu salário. O pai dela também me "informou" do valor do dote. Ela disse que era prática comum de lá. Depois que voltei, mantivemos contato por meio da internet, mas nosso relacionamento esfriou conforme nos deparávamos com as dificuldades. Hoje estou noivo de uma linda brasileira e ela seguiu a vida casando-se com um indiano.

Conclusão: Viajar à Índia é uma experiência única, tanto pelas cores e cultura quanto pelas adversidades que até se tornam engraçadas. O Taj Mahal é interessante como falam ser, apesar de pequeno. O Akshardam é fantástico, ambos merecem a visita. A comida, apesar de apimentada (agora eu sou viciado em pimenta) é magnífica. Recomendo o Tandoori Chicken. Assim que possível, voltarei para visitar Mumbai e talvez Jaipur, cidade que ouvi bons feedbacks e não tive tempo de visitar.

Marcelo

Fotos: Marcelo


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